Ando sem paciência para este mundo. Ando exausta desta minha realidade onde tudo respira dinheiro, cambada de interesseiros. O meu Irmão tinha, dois anos antes de falecer, comprado um apartamento. Quis dar-lhe a sua imagem, e isso fez com que não o pudesse habitar à data da sua compra. Entregou o projecto da cozinha a um cabrão, desculpem, a um carpinteiro, que por acaso tinha o seu negocio na nossa rua. O meu Irmão tinha aquele hábito familiar de desculpar tudo e todos, mesmo ainda quando sabemos que não há desculpa. Aquele hábito de encolher os ombros, dar segundas oportunidades e acreditar no próximo. O cabrão do carpinteiro, esse que assina como um dos culpados pelo meu Irmão não ter estreado a sua casa, nunca finalizou a obra, ainda que esta tenha sido toda paga. Não o fez até hoje. Sei que só me entregou as peças inacabadas porque soltei a voz e confrontei-o perante o namorado da filha. Golpe baixo eu sei. Não o lamento, resultou. O cabrão do carpinteiro fez o mesmo a muitas famílias. O cabrão do carpinteiro lancha na padaria todos os finais de tarde. A cabra da mulher dele vai ao cabeleireiro todos os sábados. A puta da decoradora provavelmente também. Com o dinheiro do meu Irmão. Com o dinheiro que ele tanto suou. Se fosse pelo coração, provavelmente estaria detida, tal a vontade que tive muitas vezes de esmagar quem gozou com as coisas Dele, quem o roubou após a sua partida. Pelos meus pais ainda hoje luto contra essa vontade. Esquecer não é fácil, perdoar também não. Hoje continuo empenhada em terminar o projecto da casa Dele, agora nossa casa (para onde me vou mudar daqui a semanas). Perguntaram-me ontem qual a sensação de ter um apartamento assim sem qualquer encargo, uma vez que ficou pago. Virei costas. Se perguntas há que não deveriam existir, esta foi uma delas.