Uma consulta de rotina no médico que me acompanhou na adolescência. Uma leve chamada de atenção quando revelei a data da última consulta, ainda em Lisboa. Os procedimentos habituais. Preenchimento das fichas com os nossos dados. A pergunta que não queria ouvir. Tem irmãos?. Senti-me pálida, uma onda de terror percorreu o meu corpo frágil. A alma traiu-me. Em lágrimas disse que sim. Tenho UM Irmão. Idade? Partiu com vinte e sete anos. Mas sim, tenho Um Irmão, e não há um momento que não me lembre dele. Numa rápida associação de ideias, o médico perguntou-me é filha da C.?. Uma consulta de ginecologia permitiu-me desabafar. Quis fugir dali a correr. Não quero usar a expressão morreu, não quero acreditar que tal aconteceu. Não quero atender telefonemas nos quais me pedem para falar com Ele, e não poder passar a chamada. Repetir o mesmo tantas vezes. Tantas que me cravam o coração. Não quero recordar que mO arrancaram da minha vida, assim sem avisar, sem tempo para o tanto que havia para viver e partilhar. Não quero ouvir o tens que ser forte, não quero ler remetente herdeiros de Bruno Fonseca. Não quero lembrar a morte brutal que lhe estava destinada. Tento aquecer o coração e impedir o gelo que me assola ao pensar nos seus últimos momentos. Não quero revoltar-me por viver num país onde quem atropela sai impune, ainda que admita o excesso de velocidade e um sem-número de infracções. Nada mO trará de volta. Nada que possa fazer ou dizer. Ainda assim, não me habituo ao olhar sombrio dos meus pais que tanto amo, e às suas lágrimas a cada refeição, a cada anoitecer. Não aprendo a viver com isso. Não existem manuais para tal. E não consigo lidar com Sua ausência. Por mais que me esforce.